Atualizando a descrição do blog: Tive a intenção de criar este blog para divulgar conceitos, fatos históricos, curiosidades e outros temas sobre a grande ciência física. Existem muitos outros blogs sobre o assunto, mas a minha intenção principal é tentar escrever sobre assuntos de física vistos na graduação ou de pesquisa física para o público geral. Minhas ideias sobre temas para as colunas surgem de textos e artigos que vou lendo ao longo do meu trabalho acadêmico. Discussões são sempre bem vindas!
Abraço a todos!

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Leis da Termodinâmica - II

Dando continuidade ao texto sobre as leis da termodinâmica, vamos discutir um pouco sobre a segunda lei, que diz respeito sobre uma palavra que muitos conhecem, Entropia. De muitos modos, entropia é muitas vezes entendida como o grau de desordem de um sistema físico qualquer, mas o que isso significa de um ponto de vista da teoria termodinâmica? Vamos ver a seguir.

O conceito de entropia está ligado ao número de estados possíveis de um dado sistema físico e geralmente associamos um valor de entropia tanto maior quanto o número de estados possíveis em que este sistema físico pode estar num determinado instante. Vamos dar primeiramente um exemplo: 

Suponha que temos uma caixa de lápis de cor com 12 unidades, que todos os espaços para os lápis estão preenchidos, ou seja, temos 12 lápis e quantidade de possibilidades de arranjar estes lápis de forma diferente é 12! ( 12x11x10x...x1), 12 fatorial. Este é nosso sistema físico, ou melhor, nosso sistema físico em seu estado 1. A esta quantidade de possibilidades damos o nome de estados possíveis do sistema. Suponhamos agora que aumentamos a nossa caixa de lápis de 12 para 24 cores, mas mantendo os mesmos 12 lápis. Então, nesta nova configuração do sistema, temos 24 posições para organizar 12 lápis, o que nos da um número muito maior de possibilidades de organizarmos os lápis, ou seja, um número muito maior de estados possíveis. Resumindo, se nosso sistema na configuração 1 é formado por 12 lápis e 12 posições e na configuração 2 por 12 lápis e 24 posições, dizemos que o estado 2 possui uma quantidade de possibilidades possíveis maior que o estado 1.

Este simples exemplo é importante porque pode ser estendido para um gás em uma caixa com uma parede no meio. As moléculas do gás irão poder ocupar um determinado número de posições nesta configuração, mas se eliminarmos o vínculo, ou seja, a parede que divide a caixa, o número de posições possíveis de serem ocupadas pelas moléculas aumenta. O mesmo vale para o caso de um pistão, e outros exemplos.


Nesta figura, a configuração do sistema da direita ou esquerda possui maior  entropia?


Em termos conceituais, a entropia de um sistema físico será tanto maior quanto maior o número de estados possíveis que este sistema pode estar em uma certa configuração. Está é uma visão conceitual da entropia. Interessante também é conceito de entropia pode ser visto em termos da informação que temos sobre o sistema. Tome como exemplo as partículas de um gás restritas a se moverem na metade da caixa. De certo modo, é mais fácil localizar as partículas do gás se elas estiverem restritas em uma metade da caixa do que se puderem se movimentar pela caixa inteira. 

Portanto: Quanto maior o nível de informação necessário para localizar um sistema físico, maior será a entropia deste sistema. E isto se aplica ao conceito de estados possíveis, como já vimos.

Dependendo da relação que a entropia tem com alguma propriedade do sistema, como quantidade de informação que temos dele ou seu grau de desordem, ela recebe diferentes nomes, mas o conceito é essencialmente o mesmo.

Discussões são sempre bem vindas.

Referência:

Fundamentals os Statistical and Thermal Physics, Reif, (Mac-Graw Hill, 1965).


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Água corrente em Marte e duas leituras recomendadas

Neste texto, vamos falar um pouco sobre um tema que está em alta este ano, Marte!

O livro “Perdido em Marte” (Andy Weir) deu origem ao filme de mesmo nome lançado este ano nos cinemas. A história conta basicamente como um astronauta tem que usar todo seu conhecimento científico para sobreviver em Marte após ser dado como morto e ser deixado para trás numa evacuação de emergência feita por uma equipe de astronautas naquele planeta. É um livro de ficção, mas não deixa de ser realista quanto aos conceitos físicos e químicos usados ao longo da luta pela sobrevivência.

Ao mesmo tempo, a NASA divulgou imagens e dados a respeito de fortes evidências de que existe água corrente na superfície de Marte. É uma notícia muito importante! Água naquele planeta é essencial para que uma missão tripulada possa ser “simplificada” e mais barata, pois com ela os astronautas poderiam produzir o combustível da viagem de volta, retirar oxigênio para respirar e muitas outras coisas. Como sabemos, a temperatura de Marte é extremamente baixa, o que levou os cientistas a concluírem que toda água de Marte estaria congelada em seus polos. Entretanto, os dados divulgados recentemente mostram várias manchas (sulcos) na superfície do planeta vermelho (como visto na imagem abaixo). Estas manchas surgem na primavera, aumentam no verão e somem no outono, o que indica uma variação de intensidade. Além disso, as manchas contêm depósitos de sal, o que, como sabemos, diminui o ponto de congelamento da água. Este seria o motivo pelo qual poderia existir água corrente na superfície do planeta. Dados futuros fornecerão mais informações a respeito disso, mas a notícia é muito positiva!

Fonte: NASA


Muitos livros têm como objetivo divulgar informações sobre Marte. Neste contexto, gostaria de mencionar o livro "Próximo Destino - Marte", que é um livro da jornalista Marina Vidigal, onde ela traz várias informações a respeito de como seria uma viagem tripulada ao planeta vermelho, curiosidades sobre missões anteriores e muito mais. Para quem viu o filme "Perdido em Marte" ou leu o livro e achou interessante, ou para quem ficou curioso com os recentes dados divulgados pela NASA sobre água líquida em Marte, é uma ótima sugestão para entender mais como seria uma viagem tripulada ao nosso destino mais imediato na exploração espacial.


Referências e links úteis:

Evidência de água líquida em Marte



Mapa interativo de Marte


Primiera missão a Marte

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Leis da Termodinâmica - I

Que tal falarmos um pouco sobre termodinâmica? Embora este tema possa não despertar muito interesse do ponto de vista de ficção científica, é uma área da física muito importante, pois toda a Termodinâmica Clássica foi fundamentada em experimentos e tentativas de se conseguir o máximo de energia de uma máquina térmica com o menor gasto de energia possível. Em outras palavras, sempre se esteve interessado no maior rendimento de uma máquina térmica. 

A termodinâmica clássica foi basicamente desenvolvida a partir de 1650 com a invenção, nas décadas seguintes, das mais variadas máquinas térmicas, dentre elas, a locomotiva. Como todas as teorias físicas que tem um forte embasamento experimental, a termodinâmica clássica possue algumas leis que formam a base da teoria. São três leis, primeira, segunda e terceira, e mais uma lei conhecida como lei zero da termodinâmica. Neste texto, falaremos sobre as duas primeiras leis: Lei Zero e Primeira Lei.

A lei zero da termodinâmica é muito importante para entendermos o conceito de temperatura. Sua formulação é a seguinte:

Se dois sistemas, A e B, estão em equilíbrio térmico com um terceiro sistema, C, então os sistemas A e B devem estar em equilíbrio térmico entre si.




Aqui, dizer que dois sistemas estão em equilíbrio térmico equivale a dizer que eles apresentam a mesma temperatura. Portanto, se temos um sistema de referência C, podemos saber se os sistemas A e B estarão em equilíbrio térmico quando colocados em contato, simplesmente colocando eles inicialmente em contato com o sistema C. Poderíamos chamar então C de nosso termômetro.

Embora pareça simples, esta lei permite que evitemos de colocar os dois sistemas A e B em contato sem saber se estarão em equilíbrio térmico entre si. Isso pode ser importante, pois se não quisermos que o sistema A, por exemplo, perca energia para o sistema B, podemos ter certeza do equilíbrio térmico entre eles sem colocá-los em contato. O sistema C pode ser um sistema em que o sistema A perderia muito menos energia para entrar em equilíbrio térmico do que em contato com B. Isso é vantajoso, pois sempre queremos evitar perder energia com processos que não são úteis.

Podemos discutir um pouco também a primeira lei da termodinâmica, que diz basicamente sobre o princípio de conservação de energia. Suponhamos que temos um sistema físico. Este sistema possui alguma quantidade de energia que pode estar, por exemplo, na forma de energia térmica. Se o sistema está isolado de suas vizinhanças, a energia total será conservada, ou seja, nenhum tipo de energia entra ou sai do sistema. Porém podemos permitir que o sistema tenha interações com suas vizinhanças (que pode ser outro sistema) e deste modo uma certa quantidade de energia irá fluir de um sistema para outro de alguma forma.

Em termodinâmica, sempre se esteve interessado na quantidade de energia que um sistema físico poderia fornecer. A esta quantidade, damos o nome de trabalho (W). Por outro lado, se uma certa quantidade de energia entra no sistema através de um processo térmico (contato térmico, etc), damos o nome a esta quantidade de calor (Q). Assim, podemos enunciar a primeira lei como:

Um sistema pode ser caracterizado pela quantidade E (energia interna), a qual para um sistema isolado, E = constante.

Se o sistema passa a interagir com seu meio externo, então tem-se: delta E = - W + Q ,
onde W é o trabalho realizado pelo sistema e Q é o calor absorvido pelo mesmo.



Fica claro que quando o sistema realiza trabalho, ele fornece energia ao meio e consequentemente perde energia interna.

Assim, estas duas leis exibem conceitos muito importantes na física e em especial na termodinâmica. O conceito de temperatura, que nos permite comparar a energia térmica de dois sistemas físicos, e o conceito de conservação de energia. Este último é válido para sistemas isolados ou para sistemas que interagem entre si, desde que consideremos o conjunto como um todo como um sistema isolado. Extrapolando este pensamento para todo o universo, é por isso que dizemos que a energia do universo como um todo é conservada.

Dúvidas ou comentários, por favor, escreva!!

Referência:

- F. Reif, Fundamentals of Statistical and Thermal Physics, McGraw-Hill, 1965.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Forças Centrípeta e Centrífuga e Estações Espaciais

A física é permeada por entidades que chamamos de Forças. O papel principal da força é realizar a interação entre dois objetos, sistemas, etc. Por exemplo, a força de atrito é responsável pela interação entre um objeto que se arrasta sobre uma superfície e a própria superfície. A força da gravidade é responsável pela interação entre quaisquer dois corpos que possuam massa ou, num formalismo mais rebuscado, que também possuam energia. Neste texto falaremos um pouco sobre as forças centrípeta e centrífuga e mostraremos sua aplicação em naves espaciais como, por exemplo, as que aparecem no filme Interestelar e no épico 2001 - Uma Odisseia no Espaço. Vale lembrar, sempre tentemos fazer uma discussão o mais conceitual possível.



Para começar devemos considerar um movimento circular que neste caso será uniforme. Um exemplo é o movimento da Lua em torno da Terra, onde o movimento apresenta uma periodicidade e, em geral, a velocidade do movimento pode ser considerada constante. A força gravitacional então atua como uma força centrípeta. Deste modo, podemos generalizar e dizer que uma força centrípeta sempre será direcionada para o centro. Se o movimento for uniforme, o módulo da força será constante, porém sua direção e sentido são alterados, de modo que ela sempre aponte para o centro. Veja a figura abaixo.


Acontece que, se nós estamos em um movimento uniforme como, por exemplo, quando estamos dentro de um ônibus e este faz uma curva, sentiremos inevitavelmente a ação de uma outra força que normalmente nos impulsiona para "fora" (lembre o exemplo do ônibus). Esta força é denominada Força Centrífuga, e surge devido ao fato de estarmos em um referencial não inercial. Lembre-se, um referencial não inercial é aquele onde existe uma certa aceleração, ou, variação da velocidade. No movimento circular uniforme, mesmo que o módulo da velocidade de rotação seja constante, sua direção e sentido se alteram ao longo do tempo e, portanto, surge uma aceleração centrípeta. A força que nos impulsiona para fora do ônibus quando este faz uma curva é um exemplo típico de força centrífuga.

Temos algo importante aqui: Se o movimento é simplesmente circular e uniforme, o raio do movimento é constante ao longo do tempo. Isso significa que as forças radiais devem possuir o mesmo módulo. Portanto, a força centrípeta e a força centrífuga possuem o mesmo módulo, ou intensidade. Como vimos, a centrípeta é sempre direcionada para o centro, ao passo que a centrífuga nos impulsiona para fora. Assim, tais forças tem direções opostas. O módulo das forças é crucial aqui, pois sabemos que força centrípeta é proporcional à velocidade de rotação. Deste modo, aumentando a velocidade de rotação aumentamos a intensidade da força centrípeta e consequentemente aumentamos a intensidade da força centrífuga. 

Note que a força centrífuga não é uma reação à força centrípeta e nem o contrário!! Elas não se cancelam. A força centrífuga aparentemente "surge" quando passamos a analisar o movimento a partir de um referencial não inercial!! Por exemplo, nenhuma força atua sobre nós quando o ônibus faz uma curva. O princípio da inércia simplesmente faz com que tendamos a manter nosso estado de movimento, ou seja, seguir em linha reta e a isso atribuímos a existência de uma força sobre nós.

Finalmente, vamos discutir as estações\naves espaciais citadas acima. Como pode ser visto nos filmes, as estações\naves giram com certa velocidade de rotação. Uma vez que a velocidade de rotação seja ajustada de modo a garantir uma força centrífuga de intensidade 9.8 m/s^2, teremos uma força que nos "impulsiona" para fora de mesmo valor que a gravidade terrestre. Imagine então que a nave seja construída de modo que o seu piso fique localizado na camada do raio externo da nave. Deste modo, a força centrífuga fará o papel de pressionar o astronauta contra o piso, exatamente análogo ao feito pela força da gravidade sobre nós aqui na Terra. Ou seja, através do movimento de rotação da estação\nave, pode-se simular um efeito similar ao da gravidade terrestre e os astronautas passam a ter a mesma liberdade de movimento (ou restrição, na verdade) que temos na Terra. Mas lembre-se: esta é uma força fictícia. O que realmente acontece é que o astronauta tende a manter seu estado de movimento, ou seja, sair pela tangente, mas ao fazer isso, ele encontra o piso da estação\nave.

O vídeo abaixo mostra a nave do filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço.


É claro que a complexidade de uma estação\nave deste tipo vai muito além da rotação. Aqui focamos apenas na física por trás da rotação deste tipo de nave marcante nos dois filmes.

Abraços e discussões são sempre bem vindas.



segunda-feira, 29 de junho de 2015

Uma discussão sobre conceitos da mecânica quântica - Descoerência

Vamos discutir mais um pouco sobre alguns aspectos da teoria quântica apresentados no livro Física Atômica e Conhecimento Humano, de Niels Bohr. Outras discussões que fizemos a este respeito aboradaram conceitos de Complementariedade e Medida. Neste texto vamos continuar com esta discussão, agora falando um pouco sobre a transição de um sistema físico quântico para um sistema físico clássico, ou seja, regido pelas leis da mecânica clássica, que também governa nosso cotidiano.



Não é preciso ser um expert em mecânica quântica para entender que um sistema físico quântico (sistema quântico) é essencialmente diferente de um sistema físico clássico (sistema clássico). De modo geral, se temos uma propriedade que desejamos medir, e esta propriedade pode apresentar, por exemplo, dois resultados diferentes, então existe uma probabilidade associada a cada um destes resultados serem medidos durante um processo de medida. Obviamente, a soma das probabilidades tem de ser 1. Por isso diz-se que a teoria quântica é não determinística, ao contrário da mecânica Newtoniana, que é determinística. Está é uma característica fundamental que difere a mecânica quântica da mecânica clássica. Assim, quando um sistema físico sai do regime quântico e vai para o regime clássico, uma das suas consequências é perder seu caráter probabilístico e assumir um caráter determinístico.

Naturalmente, para que qualquer qualquer propriedade de um sistema físico possa ser alterada, precisamos fazer este sistema interagir de algum modo com algum outro sistema, podendo este outro sistema ser também um aparelho de medida. Vamos dar um rápido exemplo. Suponhamos que temos um pêndulo que oscila sem nenhuma força de atrito sobre ele. Nosso sistema, o pêndulo, vai continuar neste movimento indefinidamente. Mas uma vez que permitimos que ele tenha uma interação com o ar, por exemplo, sua oscilação vai diminuir continuamente, chegando inevitavelmente ao estado de repouso. Voltemos ao nosso caso. Consideremos um sistema quântico, com suas características quânticas. A principal interação que este sistema pode sofrer de modo a perder suas características é com seu próprio ambiente. O ambiente em geral será outro sistema físico, mas um sistema clássico. Pode ser, por exemplo, um aparelho construído para medir uma propriedade do sistema físico. Entretanto, muitos aparelhos de medida são baseados em lasers, que é um fenômeno quântico. Portanto, não apenas a interação de um sistema quântico com um clássico causa um efeito sobre o sistema que estamos medindo. A interação de um sistema quântico com outro pode ter o mesmo resultado.

O que acontece, portanto, é que o sistema quântico perde suas características, dentre elas o caráter probabilístico, e torna-se um sistema clássico, sendo atribuído a ele todas as características de um sistema regido por leis Newtonianas, ou seja, determinísticas. Este fenômeno é conhecido como Descoerência (Decoherence, em inglês). Este é um dos motivos que ainda impedem a construção de um computador quântico, por exemplo (leia mais sobre na referência abaixo).

Vários processos de medida são responsáveis pelo fenômeno de decoerência, e sabe-se também que mesmo um sistema físico quântico isolado pode perder suas características quânticas e tornar-se um sistema clássico. De fato, existe muito a ser estudado no que tange a transição destas estas duas teorias, a quântica e a clássica.

Discussões são sempre bem vindas.
Abraços!

Referências:



- Decoherence and the Appearance of a classical world in quantum theory, Ed. Springer, 1996.

- Breve entrevista sobre computadores quânticos e decoerência.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Uma discussão sobre conceitos da mecânica quântica - Medida

Este texto é continuação da discussão de alguns aspectos peculiares que encontramos na mecânica quântica, sempre lembrando que aqui tentamos fazer uma discussão o mais conceitual possível. A última discussão mostrou que observamos tudo através de conceitos e "ferramentas" clássicas, e que isso é uma maneira de enxergar a origem do conceito de complementariedade na teoria quântica. Eu reforço aqui o conselho de leitura do livro "Física atômica e conhecimento humano", onde Borh apresenta formas do conceito de complementariedade em outros campos da ciência, como a psicologia, por exemplo. Neste texto, vamos apresentar uma discussão sobre o que deve ser considerado o sistema físico em mecânica quântica, e qual sua diferença em relação à mecânica clássica.



Quando falamos em sistema físico, estamos querendo dizer um pedaço no universo no qual iremos focar nosso estudo, ou seja, estudar suas propriedades, sua evolução no tempo (a dinâmica do sistema), sua interação com o ambiente em volta (o resto do universo), entre outras coisas. Como fazemos isso? Basicamente, a maneira de se estudar um sistema físico é incidindo luz sobre ele. É assim, por exemplo, que enxergamos. A luz incide sobre um certo objeto, parte desta luz reflete e então incide sobre nossos olhos. Através de estudos da teoria da relatividade ficou evidente que, embora a luz não tenha massa, ela transporta certa quantidade de momento. Este momento tem uma analogia muito grande com o momento linear que estamos acostumados quando um corpo de massa m move-se a certa velocidade.

Pensemos então, através de um exemplo, como podemos realizar uma medida em um sistema físico, do ponto de vista da mecânica clássica. Temos um carro, de massa m, e velocidade zero e estamos interessados em medir a distância do carro até nós. Uma maneira de fazer isso é incidir uma certa luz sobre o carro. A luz, de comprimento de onda "lambda", vai incidir sobre o carro e refletir de volta. Conhecendo a velocidade da luz (que é a velocidade da luz no vácuo), medimos o tempo entre ela ser emitida e regressar e então usamos a fórmula da velocidade média para calcular a distância. Lembre-se, a luz transporta momento e, pelas leis de conservação de energia e momento, parte desse momento vai ser transferido ao carro. O momento transportado pela luz foi deduzido por de Broglie, como sendo p = h/lambda, onde h é uma constante da teoria quântica denominada constante de Planck e lambda é o comprimento de onda da luz usada. A luz, de fato, transfere momento para o carro, mas este momento é tão pequeno em comparação com a massa do carro que este não sofre nenhum tipo de deslocamento. De fato, se quisermos ser um pouco mais precisos, dizemos que h tem dimensão de ação (algo que pode ser entendido como proporcional às dimensões das forças envolvidas), e que a ação correspondente a sistemas clássicos é muito, mas muito maior do que h, de modo que os efeitos devido a mecânica quântica podem ser desprezados (o efeito aqui seria a luz transferir uma quantidade considerável de momento para o carro, de modo a movimentá-lo).

Mas o que aconteceria, por exemplo, se desejássemos medir a posição de um elétron? Bem, teríamos de realizar o mesmo procedimento, incidir luz sobre o elétron e observar quando a luz refletida pelo elétron chega até nós. Acontece que a massa do elétron é muito pequena quando comparada com a massa do carro, algo em torno de 9,10^{-31} Kg. Por exemplo, se usarmos luz do extremo vermelho (maior comprimento de onda visível) para medirmos a posição do elétron, iremos encontrar que a luz transportará um momento da ordem de p ~ 10^{-24} kg m/s. Este valor é muito pequeno quando comparado com a massa do carro, porém extremamente grande quando comparado com a massa do elétron, e por isso o elétron absorve certa quantidade desse momento e entra em movimento (ou espalha, na linguagem física). Ao entrar em movimento, portanto, ele adquire certa velocidade. 

Note que algo diferente agora ocorre ao tentarmos localizar algo em um sistema quântico. Ao realizarmos a medida, alteramos o estado do sistema. Embora bem simples, o exemplo mostra que o sistema quântico não pode ser considerado isoladamente como no caso clássico. Devemos levar em conta não apenas o sistema, ou seja, o pedaço do universo que queremos estudar, mas sim também o observador (o instrumento de medida). Para um aparato de medida diferente (no caso acima poderia ser uma luz com outro comprimento de onda) afetaremos o sistema quântico de um modo diferente e, portanto, obteremos resultados diferentes. Assim como Bohr afirmou em seus ensaios, o sistema de estudo em mecânica quântica deve ser considerado não apenas o sistema isolado, mas o sistema isolado + observador. Apenas quando levarmos isso em conta, poderemos compreender melhor o que é "realizar uma medida" em mecânica quântica.

Tentamos apresentar aqui outro aspecto que diferencia a mecânica quântica da mecânica clássica, ou seja, realizar uma medida sobre um sistema quântico irá afetar o sistema. Iremos dar continuidade neste assunto, novamente, tentando usar sempre um exemplo para explicar algum conceito emergente da mecânica quântica.

Discussões são sempre bem vindas!

Referências:

- Física atômica e conhecimento humano, Niels Bohr, Ed. Contraponto, 1996.

- Decoherence and the Appearance of a classical world in quantum theory, Ed. Springer, 1996.

- Philosophical Reflections and Syntheses, E. P. Wigner, Ed. Springer, 1997.

sábado, 16 de maio de 2015

Quantas ciências você já viu?

Seguindo a ideia de convidar pessoas para escrever sobre ciência no blog, Túlio Ferneda aceitou discutir um pouco sobre o próprio conceito de  "ciência". Formado em Física, atualmente é aluno de doutorado em educação pela Universidade Federal de São Carlos. Sua pesquisa é sobre estudos culturais.


Pois é, a ciência não é uma coisa só, e não existe uma única visão sobre o que ela é ou pode vir a ser. “O que é ciência?” ou “O que é científico?” são perguntas de caráter filosófico. Isso significa um debate constante, uma diversidade de pontos de vista. É difícil estabelecer critérios objetivos e universais para definir a ciência. Talvez nem faça sentido buscarmos essa definição, porque a ciência é uma atividade humana e plural, como não poderia deixar de ser. O que podemos fazer é buscar conhecer vários pontos de vista, e compor a cada dia um quadro de ideias a respeito do assunto.
            Para começar, é comum escutarmos opiniões que estabelecem uma associação direta entre a palavra “ciência” e algumas áreas do conhecimento como física, química, biologia – as ciências da natureza, de modo geral. Isso pode acontecer de forma implícita, por omissão das demais áreas, ou de forma explícita: “humanidades não é ciência”. Essa exclusão das humanidades revela, por si só, uma visão muito específica e limitada a respeito da ciência. Outro ponto de vista limitado é aquele que vincula a ciência às atividades desenvolvidas nas universidades e centros de pesquisa, exclusivamente, como se nenhuma ciência ou nada de científico pudesse ser realizado fora desses espaços. Vale a pena pensarmos sobre isso.
A ciência tende a ser considerada, com frequencia, uma atividade baseada em alguns valores e procedimentos fundamentais: objetividade, falseabilidade, racionalidade, neutralidade etc. Mas todas essas premissas podem ser questionadas.
A objetividade, por exemplo, pressupõe um afastamento entre o sujeito e o objeto de estudo, ou seja, uma não interferência dos conhecimentos prévios, teorias, crenças, valores e posicionamentos do pesquisador na leitura que este faz do fenômeno estudado. Pelo menos duas ressalvas podem ser feitas aqui.
Por um lado, em algumas áreas de pesquisa, como educação ou ciências políticas, por exemplo, essas premissas são consideradas insuficientes para dar conta de sustentar muitas práticas de pesquisa. Imagine que você quer estudar a relação professor-aluno, em uma sala de aula, e avaliar em que medida esse fator influencia a motivação dos alunos para aprender uma determinada matéria. Nesse caso, o ponto de vista do professor e dos alunos compõem justamente as informações mais importantes dessa investigação. O sujeito (com suas opiniões, valores etc) é componente fundamental do objeto de pesquisa. E o sujeito pesquisador, que observa e analisa o fenômeno, também contribui para a construção da pesquisa com base em seus valores próprios.
Sabe por quê? Por mais distante e objetivo que ele consiga ser durante o processo de análise, a própria delimitação do tema de pesquisa já revela uma escolha de valores por parte do pesquisador. Alguém que estuda a relação professor-aluno é alguém que considera essa relação interpessoal como parte fundamental do processo de ensino-aprendizagem, o que já significa, a priori, um rompimento com as visões mais tradicionais de ensino, por exemplo, para as quais essa relação nunca esteve em pauta, por ser considerada uma transmissão e não vislumbrar outras possibilidades. Ou seja, quando esse pesquisador decidiu estudar esse tema, ele já fez uma escolha teórica prévia, dentro de certos limites, e projeta seus valores em sua pesquisa. É impossível separar completamente sujeito e objeto.
Algo semelhante acontece nas ciências exatas, na física, por exemplo. Nesse caso o objeto de estudo não engloba subjetividades, mas o pesquisador sim. Quando analisa um fenômeno numa perspectiva quântica, ou relativística, ou mesmo clássica, esse pesquisador já lança um certo olhar, teoricamente condicionado, para esse fenômeno, e tende a interpretá-lo com base em um sistema conceitual prévio. Isso é neutralidade teórica? Quando abrimos um livro de física, é comum lermos frases do tipo “os corpos caem em direção ao centro da Terra porque a força gravitacional é atrativa e radial”, como se a força gravitacional existisse. Essa forte correspondência feita dos modelos da física com a realidade, é em si uma projeção dos valores dos cientistas sobre o conhecimento e sobre a realidade. Alguém sempre diz, “Mas nós podemos medir essa força”, e eu pergunto, o que é medido é força ou movimento? Algo para se pensar.
  Isso não significa que a objetividade não aconteça em algum grau. Talvez em graus variados, de acordo com as condições da pesquisa, mas ela nunca é total. E não poderia mesmo, afinal, não existe pesquisa sem sujeito.
A própria questão da razão pode ser cutucada. Não podemos negar que a razão é um dos grandes pilares da ciência. A ciência se propõe a isso, a olhar para o mundo de uma forma racional, não é? Ou seja, de uma forma não mitológica, para oferecer às pessoas uma alternativa aos dogmas das religiões, das crenças, dos mitos, das ideologias, não é isso? Será que é isso mesmo? Essa é uma grande promessa da ciência: conduzir o ser humano à verdade por um caminho relativamente seguro. Será que essa promessa tem sido cumprida? Ou será que a ciência se constitui com base em alguns mitos também?
Em linhas gerais, a ciência é socialmente neutra? Sua única intenção é a conquista de um conhecimento puro e cada vez mais fiel à realidade? Seu único efeito é essa conquista? Ou ela influencia em aspectos da vida que são externos à esfera do conhecimento, como a organização social, o modelo de progresso e desenvolvimento,   nossa relação com a natureza e com o outro? Que papel a ciência tem no desenho do nosso futuro? Que papel cabe a ela nesse desenho?
Tenho mais perguntas do que respostas.
De todo modo, podemos formular diferentes tipos de perguntas quando pensamos sobre ciência. Algumas perguntas dizem respeito mais ao funcionamento das pesquisas científicas, ou à natureza do conhecimento e sua construção, como por exemplo, “O que faz de uma afirmação uma proposição científica?” ou “O que garante a validade de uma teoria?”, “O que garante a validade de um experimento?”, “O que significa fazer uma observação científica?”, “O que significa seguir um método científico?” etc. Outras perguntas são mais voltadas para a relação da ciência com a sociedade, como “O que a ciência faz?”, “Qual é a função da ciência?”, “Qual é a relação entre ciência e progresso?”, “Qual é a relação entre ciência e poder?”, “Qual é a relação entre ciência e desigualdade social?” etc. Aliás, quando escolhemos quais perguntas fazer, quais fazem sentido ou não, isso também já revela nossa visão pessoal sobre a ciência.
Algo interessante de se pensar é se faz sentido separar todas essas perguntas, ou se elas estão relacionadas entre si. Será que o nosso conceito de “ciência” não tem nada a ver com aquilo que acreditamos ser a função da ciência? Será que a nossa visão de “método científico” não tem nada a ver com a forma como pensamos a relação ciência-sociedade? Eu acho que tem tudo a ver.
Uma leitura que traz uma discussão interessante, que tem feito muito sentido para mim, é A Construção das Ciências, de Gérard Fourez. Ao invés de cair num debate sem fim na tentativa de buscar uma definição para a ciência, o autor vai numa outra direção: ele discute as posturas ou atitudes que as pessoas têm perante o conhecimento, seja este científico, filosófico, ético, religioso etc. Fourez se alinha a uma visão que considera a ciência, assim como as demais formas de conhecimento, como uma construção humana, historicamente e culturalmente condicionada, portanto sujeita às transformações da sociedade. Em outras palavras, se a sociedade muda, se nosso modo de viver muda, a forma de fazer ciência também pode mudar. Isso nos ajuda a relativizar um pouco o conhecimento científico, que perde seu caráter de “verdadeiro” ou “absoluto”, mas não perde seu valor por conta disso.
Uma tendência atual é pensar a ciência na perspectiva dos estudos culturais, e isso significa, entre outras coisas, romper com a hierarquização do conhecimento, ou seja, evitar rotular uma forma de conhecimento como essencialmente superior às demais. Vivemos em um mundo ainda repleto de intolerância às diferenças. Me preocupa muito ver cientistas formados dizendo que aquilo que não se enquadra em seus padrões não tem valor enquanto conhecimento. Me preocupa ver cientistas dizendo, categoricamente, que “acupuntura e homeopatia” não é medicina válida, ou dizendo que “as religiões são uma doença”. Esse é o tipo de intolerância que podemos dispensar. Reposicionar a ciência em um sistema conceitual mais democrático, que a trate como uma das diversas manifestações culturais humanas, válida dentro dos limites a que se propõe, parece ser uma postura interessante, uma atitude mais histórica e menos idealista com relação à ciência.
Quero finalizar com uma citação de Descartes: “É bom saber algo dos costumes de diversos povos, a fim de julgar os nossos mais corretamente, e não pensar que tudo o que se opõe aos nossos modos é ridículo e contrário à razão, como costumam fazer os que nada viram” (DESCARTES, 2013, p. 37). Perante a diversidade do mundo, o que nós vimos ou de fato conhecemos? Muito pouco. Não importa o quanto estudamos ou viajamos, somos eternos ingênuos, no sentido de que há muito mais ideias e vidas e culturas no mundo do que somos capazes de conhecer.

Referências:
DESCARTES, René. Discurso do método. Tradução: Paulo Neves. L&PM Clássicos. Porto Alegre, 2013. 

FOUREZ, Gerard. A construção das ciências: Introdução à filosofia e à ética das ciências. Editora UNESP. São Paulo 1995.

Sugestões:
BOURDIEU, Pierre. PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. Francisco Alves. Rio de Janeiro, 1975.

CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. Boitempo. São Paulo, 2012.

CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? Editora Brasiliense. São Paulo, 1993.

KUHN, Thomas Samuel. A estrutura das revoluções científicas. Editora Perspectiva, São Paulo, 1998.


MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2005.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Uma discussão sobre conceitos da mecânica quântica

Eu não sei ao certo o quanto os leitores deste blog conhecem sobre mecânica quântica. Mas penso que independentemente do nível de cada um, o tema com certeza é interessante para todos. Esta coluna trata sobre o tema "mecânica quântica", mas não é um texto fechado. Eu resolvi escrever aqui um texto baseado na minha última leitura, cujo livro é "Física âtomica e conhecimento humano", escrito por Bohr. Na verdade, é um livro que recomendo a todos que queiram ter mais conhecimento sobre a filosofia por trás da mecânica quântica, sem se apegar a estrutura matemática propriamente dita. A ideia aqui é escrever algo acessível a todos.



Bem, sabemos que os eventos ao nosso redor são governados pela mecânica clássica, a física de coisas grandes e não muito rápidas, quando comparamos com a velocidade da luz no vácuo. E sabemos que os eventos que estão relacionado com coisas pequenas, tais como átomos, elétrons, prótrons etc, são governados pela chamada mecânica quântica. Existem muitas diferenças entre a mecânica clássica e a mecânica quântica, tais como o fato de que a primeira é determinística, no sentido em que medimos algo com 100% de certeza, enquanto a última é uma teoria estritamente probabilística, no sentido de que, ao realizarmos uma medida, temos uma probabilidade associada ao resultado que estamos interessados em medir; quase nunca este resultado será 100%. Outras diferenças serão apresentadas ao longo do texto. 

Outra coisa importante entre as duas teorias, clássica e quântica, é como uma se relaciona com a outra no limite em que ambas as teorias são possíveis de serem aplicadas. Por exemplo, suponha que temos um sistema quântico, ou seja, que este seja descrito pelas leis da mecânica quântica. Podemos deixar este sistema evoluir no tempo de tal modo que, após algum tempo, ele se comporte classicamente, ou seja, passamos a usar a mecânica clássica para descrevê-lo. O estudo desta transição "de quântico para clássico" é muito importante e ainda não é completamente entendido nos dias de hoje.

Algo relevante também a se dizer é sobre como observamos algum sistema quântico, e aqui a discussão poderia ganhar proporções enormes. Vamos dar um exemplo. Ao estudarmos um sistema clássico, usamos, portanto, um conjunto de variáveis e conceitos clássicos; ao realizarmos uma medida neste sistema clássico, fazemos isso mais uma vez com um conjunto de "ferramentas" clássicas. Portanto, não há diferença entre entidades usadas na descrição e entidades usadas na realização de medidas. O mesmo não ocorre quando estudamos um sistema quântico. O conjunto de conceitos e entidades usadas para definir um sistema quântico são, como era de se esperar, formados por conceitos da mecânica quântica. Entretanto, quando vamos realizar uma medida em um sistema quântico, só há uma possibilidade de fazermos isso, e é através de um conjunto de definições e "ferramentas" clássicas. Tudo que observamos ao nosso redor, observamos com conceitos da mecânica clássica, e com sistemas quânticos isso não poderia ser diferente. Esta é a única opção que temos de realizar uma medida sobre qualquer sistema.

Esta equação representa o fenômeno de superposição em mecânica quântica. Quando realizamos uma medida sobre o sistema quântico, em geral temos uma probabilidade associada aos resultados possíveis de serem obtidos. Aqui, a seta para baixo e para cima são os resultados possíveis, enquanto c1 e c2 são as probabilidades associadas, de modo que c1 + c2 = 100%.


O fato de termos apenas um modo conceitual de olharmos para um sistema quântico nos leva para algo importante em mecânica quântica, algo conhecido como complementariedade. Vamos exemplificar este conceito através de um exemplo muito educativo. Vamos supor que nosso sistema quântico seja a luz, e queremos estudar a natureza da luz. Ao realizarmos o chamado experimento da dupla fenda, observaremos franjas de interferência, o que significará para nós que a luz tem uma natureza ondulatória. Por outro lado, se realizarmos outro experimento, conhecido como efeito fotoelétrico, verificamos que a luz tem uma estrutura granular, ou seja, de pacotes, e assim concluiremos que sua natureza é corpuscular. Este é um claro exemplo de como o fato de o sistema ser constituído por conceitos diferentes daqueles usados para realizarmos a observação faz toda diferença. O conceito de complementariedade na mecânica quântica surge no sentido de realizarmos todas observações necessárias sobre um sistema quântico afim de obtermos a maior quantidade de informação possível sobre o sistema. Isso fica um pouco claro quando realizamos os dois experimentos distintos acima. O primeiro, que mostra o caráter ondulatório da luz, nos fornece a frequência e comprimento de onda da luz. Já o experimento que mostra o caráter corpuscular da luz nos fornece o momento da luz, muito embora ela não tenha massa.

Espero com este texto ter apresentado aos leitores um pouco da enorme diferença conceitual existente entre a mecânica clássica e a mecânica quântica, enfatizando que, embora as definições e conceitos usados em ambas as mecânicas sejam muito diferentes, o modo de observamos um sistema clássico e um sistema quântico é sempre o mesmo, ou seja, através de um conjunto de "ferramentas" clássicas. Vamos voltar a este assunto em um próximo texto, explorando outras peculiaridades da teoria quântica e tentando mostrá-las sempre de uma maneira conceitual clara.

Referências:

- Física atômica e conhecimento humano, Niels Bohr, Ed. Contraponto, 1996.

- Decoherence and the Appearance of a classical world in quantum theory, Ed. Springer, 1996.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Utilizando Arduino para visualizar oscilações num pêndulo acoplado

Darei início a uma seção no blog de textos escritos por autores convidados. Esta coluna foi escrita por André Melzi, aluno de doutorado em Física pela Universidade Federal de São Carlos. Sua pesquisa de doutorado consiste em simular transporte eletrônico em redes de nanofios.


Em toda a natureza é possível encontrar sistemas onde ocorrem interações. Tanto nas ciências naturais como nas ciências sociais observam-se fenômenos que são influenciados por algum tipo de acoplamento. Essas oscilações acopladas podem apresentar comportamentos bastante interessantes.

Neste post será apresentada uma maneira simples de estudar as oscilações num sistema composto por dois pêndulos acoplados entre si por meio de uma mola. O objetivo do texto não é descrever com detalhes as equações que regem o seu movimento mas fornecer uma forma qualitativa de estudá-lo.

Para isso, será utilizado o Arduino que é uma plataforma aberta (open source) cuja finalidade é facilitar o desenvolvimento de projetos relacionados à eletrônica. O Arduino foi criado em 2005 na Itália e desde então tem sido utilizado em projetos nas mais variadas áreas. A plataforma conta com uma placa de prototipagem e com uma interface de desenvolvimento que permite programar o hardware para ler sensores, acender LEDs, controlar motores e etc. Na figura abaixo é possível observar uma placa do Arduino Uno, versão mais popular atualmente.

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O sistema em questão está representado esquematicamente na figura abaixo. Nela é possível observar dois pêndulos simples com hastes de tamanho l e com duas massas m presas nas suas extremidades conectadas por uma mola de constante elástica k e comprimento d igual a distância de equilíbrio dos pêndulos. Para realizar o experimento, foi montada uma estrutura de madeira onde foram fixados os pêndulos. O Arduino foi utilizado para realizar a medida do deslocamento angular dos pêndulos. Para que isso fosse possível, foram utilizados dois potenciômetros de 1KΩ que serviram como eixos. A medida que os pêndulos oscilam, o eixo do potenciômetro gira e fornece um sinal para o Arduino. Para gerar a representação gráfica das oscilações foi utilizado o Processing, que também é um software open source que pode ser facilmente integrado com o Arduino para criar ambientes visuais com desenhos e formas geométricas. Nesse software, os sinais captados pelo Arduino são transformados em linhas contínuas, uma para cada pêndulo, que representam as oscilações.

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Com o aparato descrito acima, é possível observar o fenômeno de batimento que é originado devido ao acoplamento entre os pêndulos. Nessa situação, os pêndulos oscilam harmonicamente e suas amplitudes são moduladas, também de forma harmônica, mas com uma frequência menor. Além disso, por meio do gráfico gerado no Processing, é possível observar uma diferença de fase entre as oscilações, o que significa que quando a amplitude de um pêndulo é máxima, a do outro é nula.


O vídeo abaixo mostra todo o sistema em funcionamento. Nele é possível observar o pêndulo executando as oscilações, o Arduino realizando a aquisição dos dados e os gráficos sendo gerados em tempo real no computador. O código fonte utilizado nesse experimento será disponibilizado em breve.




Assim, esperamos ter fornecido uma forma simples de se realizar um experimento de física onde podem ser visualizados fenômenos interessantes, utilizando, para isso, materiais de baixo custo e uma ferramenta bastante versátil que é o Arduino.

Referências



sexta-feira, 10 de abril de 2015

Um pouco sobre a história da natureza dos raios-x

Quando quebramos algum osso do corpo, normalmente o médico pede um "raio-x" da parte quebrada para ver qual o estado da fratura. Fazer um "raio-x", como normalmente se diz, é extremamente comum hoje em dia. Mas qual será a história deste mecanismo que utilizamos tanto atualmente? Este texto tem como objetivo não necessariamente discutir o primeiro experimento que levou ao desenvolvimento dos raios-x, mas sim a discussão que se seguiu após sua descoberta com a intenção de se entender a natureza destes raios. Esta discussão foi quase completamente extraída da primeira referência citada abaixo.

A letra "x", em raios-x, representa o mistério da origem e natureza desses raios quando foram descobertos pela primeira vez em 1895 pelo físico alemão Wilhelm Rontgen. Para produzir tais raios, é necessário um aparato como mostrado na figura abaixo.


Um filamento de tungstênio é aquecido através de uma corrente elétrica, levando a uma emissão de um fluxo de elétrons deste material. Ao incidir sobre um alvo, os elétrons desaceleram, perdendo assim energia. Esta energia emitida pelos elétrons são os chamados raios-x.  Basicamente os raios-x são influenciados por duas causas, sua desaceleração frente ao impacto com o alvo, e o material de que é feito o próprio alvo. Assim, se estivermos interessados em construir um gráfico da intensidade dos raios-x como função do comprimento de onda desses raios, obteremos uma curva chamada espectro de energia do raio-x. Esta curva é devida a desaceleração dos elétrons, o que, portanto, independe do material do alvo, e também devido ao material do alvo, o que então resulta em uma curva característica para cada alvo.

Voltando ao tema principal do texto, a descoberta do raio-x havia sido feita e a questão de sua natureza foi amplamente discutida desde o início. Vale então mencionar que alguns cientistas pensaram que estes raios eram vibrações longitudinais no "éter", pois a ideia do éter como meio que permeava todo espaço ainda não havia sido completamente descartada. Ora, isso era um indicativo de que alguns pensavam que a natureza do raio-x era corpuscular. Por outro lado, outros físicos suspeitavam de que os raios fossem ondas transversais análogas à luz e, portanto, a natureza do raio-x seria ondulatória. 

O experimento chave que demonstrou o caráter ondulatório dos raios-x foi idealizado por Max von Laue e realizado por Walter Friedrich e Paul Knipping em 1912. Ondas, diferentemente de partículas, são caracterizadas pelo fenômeno de interferência, consequência direta do princípio da superposição. Desde modo, um experimento que utiliza dois seguimentos de raios-x e tivesse como consequência um padrão de interferência, serviria como prova de que os raios-x são ondas, tal como a luz.

O que estes cientistas fizeram foi usar a teoria de sólidos conhecida na época para estudar os raios-x. Já em 1850, Bravais introduziu na cristalografia a teoria de que os átomos em cristais são organizados em uma rede espacial. Assim, Laue supôs que se os raios descobertos por Rontgen fossem constituídos por ondas eletromagnéticas, então era esperado que ao ser incidido por ondas eletromagnéticas, os átomos dos cristais iriam adquirir certa quantidade de energia e então vibrar, e deste modo a estrutura de rede iria dar origem ao fenômeno de interferência. A figura abaixo mostra uma ilustração de raios-x incidindo sobre um arranjo cristalino e o posterior raio emergente, após o fenômeno de interferência. "lambda" é o comprimento de onda do raio-x, "theta" ângulo incidente e "d" a distância entre os planos cristalinos.



No experimento realizado em 1912, os raios-x eram incididos em um cristal, no caso sulfato de zinco. Os raios emergentes deste cristal incidiam em placas localizadas a diferentes distâncias do cristal. Se a suposição de que os raios-x fossem ondas eletromagnéticas estivesse correta um padrão de interferência seria formado nas placas, ou seja, um máximo central, seguido por máximos secundários seria observado. Após refinar o experimento, o resultado obtido foi a figura abaixo.



Ou seja, um padrão claramente de interferência, confirmando, portanto, o caráter ondulatório dos raios-x! Laue formulou algumas equações objetivando localizar os máximos de interferência. Entretanto, sua análise estava ligeiramente incorreta e um entendimento conclusivo foi dado por Bragg, que propôs que os raios-x incidentes eram compostos por uma distribuição continua de comprimentos de onda, e que os máximos eram produzidos por interferência, não dos átomos individuais (como sugeriu Laue), mas sim de feixes refletidos que incidiam sobre os diversos planos paralelos que formavam a rede cristalina. 

Portanto, ficou evidenciado através deste experimento que os raios-x são ondas eletromagnéticas. Obviamente, a explicação do efeito fotoelétrico por Eistein de que ondas eletromagnéticas possuem também um caráter corpuscular, abrange a natureza dos raios-x.

Vale mencionar que a descoberta dos raios-x conferiu a Rontgen o prêmio Nobel de física em 1901. Além disso, Laue foi ganhador do prêmio Nobel de física em 1914 pela descoberta da difração de raios-x em cristais.


Referências:

Livro: Landmark Experiments in Twentieth Century Physics, George L. Trigg, Ed. Dover (1975)



http://cen.xraycrystals.org/introduction.html (extraída a terceira figura)

sábado, 4 de abril de 2015

5 de abril: Sergey Alekseevich Chaplygin

O dia 5 de abril marca a data de nascimento de um físico e matemático que, embora não muito conhecido, deu grandes contribuições ao estudo do movimento descontínuo de líquidos e também sobre gases movendo-se com velocidades próximas a velocidade do som. Seu nome é Sergey Alekseevich Chaplygin, nascido em 5 de abril de 1869, em Ranenburg, agora renomeada como Chaplygin, na Rússia.



Chaplygin teve em sua infância sempre um bom estímulo aos estudos, o que o levou a adquirir um alto grau de conhecimento em uma época em que grande parte da Rússia era agrária. Graduou-se em física e matemática em 1890 na Universidade de Moscou, e seu principal interesse de estudo era a mecânica. Seu primeiro trabalho foi sobre hidrodinâmica, concentrando-se na mecânica de líquidos e gases, cujo título foi On certain cases of the motion of a solid body in a fluid.

Uma de suas maiores contribuições ao estudo da hidrodinâmica foi sua pesquisa que lhe concedeu o títul de Doutor em física, em 1902, cujo artigo era intitulado On gas streams. Neste trabalho Chaplygin obtém soluções exatas para diversos casos de um fluxo descontínuo de um gás compressível. Vale lembrar que nesta época praticamente não se tinha aplicações para o estudo sobre aerodinâmica. Porém sua tese de doutorado foi um ponto de partida para os especialistas pouco tempo depois quando o estudo de correntes de gás em velocidades próximas a do som começaram a ser feitos com o objetivo de se estudar a aerodinâmica dos primeiros aviões da história. Após 1910, Chaplygin concentrou-se no estudo da hidrodinâmica aplicada a asas de aviões. Seu artigo reunindo estes resultados intitulava-se On the pressure exerted by a plane-parallel flow on an obstructing body.

Talvez um de seus últimos importantes trabalhos tenha sido Theory of cascaded airfoils, publicado em 1914, onde ele apresenta as bases teóricas para o estudo do design de turbinas, hélices e outros instrumentos hidráulicos. Após uma hemorragia no cérebro, Chaplygin morreu no dia 8 de outubro de 1942, em Novosibirsk, então União Soviética.

Prêmios e reconhecimento

Chaplygin recebeu diversos prêmios ao longo de sua vida profissional. Todavia, talvez o que mais chama a atenção foi que em 1942 a Academia de ciências da União Soviéica criou o prêmio Chaplygin, para os melhores trabalhos no campo da mecânica.

Além disso, como já mencionado, sua cidade natal teve seu nome alterado de Ranenburg para Chaplygin.

Por fim, o que deixa o nome deste físico gravado na história da ciência para sempre é que em cosmologia, existe um modelo teórico de um gás responsável pela expansão do universo e a este dá-se o nome de Gás de Chaplygin, claramente em homenagem a suas contribuições ao estudo do movimento de gases e fluídos em geral.

Você pode ler mais sobre este cientista e o famoso gás de Chaplygin em:






sexta-feira, 3 de abril de 2015

Genealogia matemática

Recentemente descobri um site muito interessante e gostaria de compartilhar aqui. Acredito que todas as pessoas que se interessam por ciência tem algum físico ou matemático favorito. Não seria interessante poder saber a genealogia profissional desta pessoa? Pois é! 

O site http://genealogy.math.ndsu.nodak.edu/index.php faz exatamente isto!

Você faz a busca de um físico, por exemplo, Heisenberg. O site então fornece quem foi o orientador deste cientista, o título de sua tese e quais foram seus alunos de doutorado! E você pode ir fazendo uma busca "de volta no tempo" para saber até onde vai a árvore genealógica matemática de algum cientista. Vale a pena passar um tempo no site!

Abraços!